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Saúde bucal na luta contra o câncer

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A Saúde Bucal na luta contra o câncer | Blanca Odontologia - Brasília/DF

Por Gláucia Chaves

De modo geral, além da cirurgia, o tratamento contra o câncer pode envolver sessões de quimioterapia, radioterapia e transplante de medula óssea. Únicas maneiras de tratar a doença, os procedimentos são agressivos e provocam diversos efeitos colaterais. O paciente precisa lidar com incômodos que surgem em decorrência das sessões, como febre, cansaço extremo, perda de apetite e dificuldade para ingerir alimentos. Embora seja, muitas vezes, negligenciada por pacientes e até mesmo pela equipe médica, a boca também sofre com os efeitos dos medicamentos, e é uma parte do corpo que merece cuidados redobrados. Segundo Gustavo Maluf, especialista na chamada odontologia oncológica, visitas regulares ao dentista reduzem pela metade a severidade e a duração de úlceras bucais, comuns em pacientes com câncer.

Maluf explica que o objetivo principal do dentista que trabalha com médicos envolvidos nos tratamentos contra o câncer é prevenir infecções e outras possíveis complicações que colocam o paciente em risco. “Muitos medicamentos têm de 50% a 60% de chances de ocasionar problemas na cavidade bucal”, estima. Grande parte desses problemas é causada pela mucosite, uma reação tóxica inflamatória a agentes quimioterápicos ou radiação constituída por úlceras que surgem em grande quantidade e provocam dor intensa ao paciente — e que atingem 90% dos indivíduos em tratamento. “Em casos sérios, essas úlceras podem ter até 2cm”, completa. “Com dificuldade para se alimentar, alguns pacientes chegam a perder 20kg, 30kg e precisam suspender o tratamento.”

Com leucemia desde 2010, o estudante Lucas Godoy, 18 anos, sabe bem a importância das visitas regulares ao dentista. Os quimioterápicos fizeram com que aftas aparecessem na boca do rapaz. Mesmo com o incômodo, entretanto, ele confessa que só procurou o dentista quando os machucados evoluíram para úlceras. “Cheguei a ficar internado por causa de uma delas”, lembra. Lucas precisou ir ao hospital diariamente para cuidar dos ferimentos. “O dentista aplicou laser para que elas sumissem. Doíam bastante, principalmente as maiores.” Atualmente, o jovem está na fase de quimioterapia de manutenção, em que precisa tomar remédios de três em três meses. Mesmo assim, ele conta que não é incentivado a ir ao dentista regularmente. “Não vejo muitos médicos que recomendam isso sempre, mas acho que é por conta dos efeitos colaterais, que não aparecem em todo mundo.”

Uma vez que a interrupção do tratamento traz riscos óbvios para o paciente, Gustavo Maluf frisa que o acompanhamento odontológico deve ser feito antes, durante e após a químio e a radioterapia. Segundo ele, o sistema imunológico comprometido por conta da doença e a higienização incorreta dos dentes são o começo de uma perigosa bola de neve que pode colocar a perder tudo o que foi feito pela equipe médica. A falta de higienização faz com que as bactérias aumentem. Com as defesas do corpo debilitadas, os pacientes tornam-se, então, muito mais suscetíveis a infecções — com machucados que impedem a higienização correta da boca. “Metade desses pacientes corre o risco de ter septicemia, infecções generalizadas que levam a óbito”, alerta o dentista, que cita a xerostomia (falta de saliva) e a candidíase (popularmente chamada de sapinho) como outros efeitos colaterais comuns na rotina de pessoas em tratamento oncológico.

“Não basta ter várias especialidades (atendendo o paciente), é importante que elas se comuniquem, que haja diálogo entre farmacêuticos, dentistas, psicólogos, oncologistas e demais profissionais”
Anderson Silvestrini, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica

Multidisciplinar
Anderson Silvestrini, oncologista clínico do Grupo Acreditar e presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), diz que uma equipe médica multidisciplinar é indispensável durante o tratamento. “Não basta ter várias especialidades (atendendo o paciente), é importante que elas se comuniquem, que haja diálogo entre farmacêuticos, dentistas, psicólogos, oncologistas e demais profissionais”, reforça. Sem essa interseção, uma simples cárie não tratada pode se transformar em um abcesso (acúmulo de pus ao redor da raiz do dente) e, mais tarde, em uma infecção. Por isso, o primeiro olhar do dentista (preferencialmente, antes de o tratamento oncológico começar) deve ser minucioso para descartar cáries, gengivites ou feridas na boca.

Mais que minimizar o desconforto e evitar doenças decorrentes das complicações bucais, Silvestrini salienta que um bom acompanhamento odontológico previne outras enfermidades que as pessoas nem sempre sabem que são ocasionadas por problemas bucais. “Além dos riscos de infecções do câncer, há o perigo de doenças cardiológicas, como a endocardite (inflamação de estruturas internas do coração)”, detalha. O médico explica que a prevenção e o acompanhamento constante da evolução do quadro dentário do paciente são feitos com a ajuda da laserterapia, tratamento em que as ondas de luz tratam as lesões e fazem com que os machucados sarem mais rapidamente.

Hematologista do Grupo Acreditar, Paulo Soares explica que até mesmo a força usada pelo dentista no trato com pacientes oncológicos pode influenciar os resultados da intervenção. “O tratamento do mieloma múltiplo, por exemplo, é feito com medicações que endurecem os ossos e acabam provocando uma destruição óssea”, diz. “Os pacientes podem ter a mandíbula destruída, porque os ossos enrijecidos ficam menos plásticos, com menor capacidade de mudança.” Por conta dessa fragilidade, chamada osteonecrose avascular da mandíbula ou ainda necrose asséptica de mandíbula, o tecido ósseo da cavidade oral fica exposto e torna-se infectado rapidamente. “O dentista tem que ser mais ‘conservador’ ao mexer na boca de um paciente com mieloma múltiplo”, resume. “Ele não pode fazer grandes procedimentos, pois o paciente pode perder a mandíbula.”

O aposentado Hamilton Souza Silva, 75 anos, luta contra o mieloma múltiplo e, por conta da medicação, sofreu com a exposição óssea na boca. Mesmo quando parou de tomar o remédio que causou a complicação, ele conta que um dente ficou infeccionado. “Fui ao dentista e ele achou melhor tirar o resto dos dentes também”, detalha. Desde o ano passado, quando o câncer reapareceu após um hiato de sete anos, Hamilton diz que não sabia da importância do acompanhamento odontológico na rotina dos tratamentos. “Só fui ao dentista quando comecei a sentir dor, mas nenhum médico me encaminhou direto”, alega.

Procurar um profissional sério, naturalmente, também é um fator decisivo para que tanto o tratamento odontológico quanto o oncológico seja eficiente. Um erro de interpretação fez com que um abcesso cervical de Joaquina Rosa Basílio, 57 anos, fosse confundido com um câncer. A feirante conta que tudo começou com tratamento de canal mal feito (retirada de um tecido na parte interna da polpa do dente). “Tive um abcesso enorme no pescoço, abaixo do queixo, e foi aquela correria, fiquei desesperada”, descreve. Após vários exames, o resultado da biópsia, negativo para câncer, alivou Joaquina. “O problema estava acontecendo há anos e não aparecia em nenhum exame. Quando realmente cresceu demais, os médicos descobriram que eram os dentes os causadores de tudo isso.”

Matéria publicada no Caderno Saúde do Jornal Correio Braziliense de 17 de janeiro de 2012.
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